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30 de setembro de 2009

POLÍTICA NACIONAL # 002


CARTA ABERTA AO SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Sr. Presidente,

Começo por esclarecer, sem ambiguidades, que não considero V. Exa. o Presidente de todos os Portugueses. Essa é, com efeito, uma frase feita que todos sabemos, da direita à esquerda do espectro político, ser falsa e hipócrita. Do mesmo modo que assim pensaram os seus apoiantes, aquando da eleição do Dr. Mário Soares ou o Dr. Jorge Sampaio. De igual modo pensam os apoiantes de V. Exa. relativamente a José Sócrates, que estão muito longe de considerar como o Primeiro-Ministro de todos os Portugueses. Não vem daí nenhum mal ao mundo. São as contingências da própria democracia. Mas V. Exa. foi o Presidente eleito, do mesmo modo que José Sócrates o Primeiro-Ministro, e é com isso que ambas as partes têm de conviver.
Também não reconheço em V. Exa. qualidades técnicas, como economista, dignas de especial atenção. Não escreveu sobre a matéria qualquer obra digna de referência, não criou nem implementou qualquer teoria económica relevante. Não salvou Portugal de qualquer desastre económico. Criou-se sim, à sua volta, quando governou o País, uma aura sebastianista que parecia conduzir Portugal para a órbita dos países civilizados da Europa mas que, afinal, para além de obras como as auto-estradas ou o Centro Cultural de Belém - certamente importantes como componente do nosso progresso - se traduziram num quase zero absoluto quanto ao que é realmente essencial para os Portugueses: o progresso e a justiça social. Mas, graças ao manancial de fundos europeus daquela época e à relativa estabilidade da nossa débil economia, o seu consulado parece ter sido uma referência para toda a direita, órfã desde Sá Carneiro.
O problema foi quando V. Exa. decidiu concorrer à Presidência da República e… foi eleito!
É que, para esta função não basta ter dado aulas na faculdade e ter subido na vida a pulso como gosta de se gabar (e muitas vezes desconfio de tanta gente importante que “subiu a pulso” na vida). É necessário ter uma dimensão social que V. Exa. manifestamente não tem.
A tarefa de um Presidente da República não se pode resumir às decisões na solidão do seu gabinete, à convivência com a sua “entourage” de confiança, a visitas de cortesia a alguns países e às poses majestáticas de quem paira acima do vulgar dos seres humanos e se aproxima dos deuses, como deixou transpirar em frases “lapidares” como “nunca me engano e raramente tenho dúvidas” (frase que, para além de arrogante, é conceptualmente contraditória). Um Presidente da República que se preze não pode apenas visitar condomínios de luxo, tem que visitar os bairros e zonas problemáticas. Não pode dar apenas palestras no “American Clube”, tem que falar nas cantinas com os operários despedidos das fábricas. Não pode apenas aparecer nas clínicas de luxo e nos hospitais privados, tem conhecer os centros de saúde e os hospitais públicos. Não pode apenas apoiar a excelência dos resultados dos estabelecimentos de ensino privado - ao qual tem acesso os filhos de meia dúzia de privilegiados - e esquecer-se da escolas públicas, que se confrontam no dia-a-dia com o impacto dos grandes problemas sociais. Não pode inaugurar apenas complexos turísticos de luxo e ignorar os bairros de lata.
Ora, nada disto V. Exa. sabe ou quer fazer. Porque o seu mundo e as suas opções são outras. Por isso nunca poderia ser um grande Presidente.
V. Exa. está a atingir o limiar da sua carreira política, gere tabus e silêncios como ninguém. Como disse e bem Miguel Sousa Tavares, é uma espécie de farol de Alexandria da política - que aparenta controlar do alto do seu Olimpo - e que pretende passar a imagem intocável de nunca se meter em confusões, como acontece com os políticos que andam cá em baixo, no meio da barafunda.
O problema é quando V. Exa. “fala” e quando V.Exa. “age” (curiosamente, o mesmo problema de Manuela Ferreira Leite)!
Assim aconteceu primeiro, com o célebre episódio do estatuto dos Açores, que o fez interromper as férias para se dirigir propositadamente aos Portugueses, 99% dos quais não perceberam e continuam a não perceber patavina do que V. Exa. pretendia dizer! Das duas uma: ou somos todos estúpidos ou o dom de palavra não é, seguramente, o seu forte…
Assim prosseguiu depois com os vetos políticos “ao quilo” sobre os diplomas do Governo. Certamente que no legítimo direito do exercício do cargo, mas que, à velocidade com se sucederam cheirou a revanchismo que tresanda e, objectivamente, serviram “à merveille” para a campanha do seu partido (e não só...).
E culminou, enfim, com a sua intervenção de hoje que teve, honra lhe seja feita, o mérito de deixar toda a gente boquiaberta, mesmo os seus indefectíveis apoiantes!
Não é preciso entrar em detalhes sobre a análise destes 10 minutos da sua intervenção. Disso se encarregarão órgãos de informação, partidos políticos, politólogos, analistas, comentadores. Vai ser uma semana farta!
Deixe-me só que lhe diga, Sr. Presidente, como Português e como cidadão, o seguinte:
- Não me recordo, desde o 25 de Abril de 1974, de uma intervenção tão desastrosa, tão lamentável, tão inoportuna, tão tendenciosa, tão mal fundamentada e desestruturada por parte de nenhum Presidente da República!
- Da debilidade da argumentação, da inoportunidade da intervenção e até da mais pura das ignorâncias, teve de tudo um pouco.
Porquê?
1 - Do que estava essencialmente em causa, a hipótese (gravíssima) da existência de escutas telefónicas, V. Exa. não acrescentou nem provou rigorosamente nada. De onde se infere que, com ou sem o seu conhecimento, um ou vários dos seus colaboradores “encomendaram” uma notícia a um jornal com propósitos óbvios; uma espécie de jornalismo mercenário mais próprio do terceiro mundo, cujos meandros - inclusive o grau de responsabilidade do jornal “Público”- duvido muito que alguma vez se venham a esclarecer. E este é, precisamente, o ponto fundamental que V. Exa. deveria tentar averiguar, repondo a verdade e pedindo desculpas a quem de direito, se fosse caso disso.
2- Na atabalhoada argumentação que pretendeu desenvolver acabou por referir que hoje mesmo (!!!), isto é, meses e meses após o início do caso, peritos o tinham esclarecido que o sistema informático da Presidência tinha “falhas” (o que, para si, que nunca se engana, deve ter sido um desaforo)!
Entendamo-nos, Sr. Presidente, isto tem um nome: analfabetismo funcional. É que qualquer informático de vão de escada ou mesmo qualquer miúdo minimamente interessado no assunto sabe que, do Pentágono à Casa Branca ou ao Kremlin, passando pelas grandes Empresas, pela Microsoft, pelo Google, etc., não há sistemas infalíveis e há “hackers” (não confunda com ácaros, Sr. Presidente?) que se intrometem em qualquer deles. Ou seja, não há sistemas infalíveis (porque é que o seu havia de o ser?!). O que há é sistemas mais ou menos seguros…
V. Exa. não é obrigado a perceber de informática (esforce-se ao menos por disfarçar) e tem o direito de desconfiar de quem quer que seja, da mesma maneira que qualquer pessoa tem o direito de desconfiar de V. Exa., por muito que isso lhe custe (nada garante que o Governo não pense também que anda a ser espiado, por exemplo).
O problema é que a simples suspeita, sem qualquer elemento factual, não lhe confere o direito de lançar essa suspeita – por acção ou omissão - para a opinião pública, seja por si seja por interposta pessoa da sua confiança. Trata-se da Presidência da República, um órgão de soberania que tem que primar pela confiança, pela rectidão e pelo exemplo.
E, também do mesmo modo que pensa que não é crime um seu colaborador ter tal suspeita (justificando até, implicitamente, ser razoável “encomendar” uma notícia), também não é crime um elemento do PS pensar que houve assessores da Presidência a colaborar em programas de outros partidos. Toda a gente sabe que assim é, provavelmente em todos os quadrantes políticos - aliás tal hipótese parece-me que surgiu no próprio site do PSD e no semanário “Expresso”- e só V. Exa. é que parece ficar todo ofendido perante tal suposição…
3 - Para quem se arvora Presidente de todos os Portugueses, uma comunicação destas, sem a mínima sustentabilidade nem razoabilidade, quer pelo seu teor, quer pela oportunidade é - isso sim, inequivocamente – uma arrogante e intolerável intromissão no acto eleitoral, mais própria de um político de terceira categoria e que destrói, em definitivo, o mito da isenção cavaquista na presidência. Bastou a derrota inequívoca das suas cores para a máscara cair!
4 - O próximo governo vai ser indigitado brevemente. Se mais nada de significativo acontecer até lá, num País que parece mergulhado na loucura - e no qual o que ainda houve de mais puro foi a expressão clara do voto popular - José Sócrates deverá tomar posse. Não sei qual vai ser a sua atitude. Já provou ter capacidade para enfrentar as mais tremendas provações. Vai ter que negociar, parlamentar, assumir compromissos e acordos. Vai ter também que se preparar para o pior por parte dos seus opositores, como se continua a verificar. Mas talvez uma das mais duras provações seja a de ser obrigado a olhá-lo nos olhos, Sr. Presidente. Se fosse eu, virava-lhe a cara!
Porto, 30-09-2009
Guilherme Santos


 

28 de setembro de 2009

POLÍTICA NACIONAL # 001

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS 2009

Independentemente do resultado final, estas eleições irão ser sempre decisivamente influenciadas por uma das campanhas mais sórdidas, mesquinhas e caluniosas de que me recordo desde o 25 de Abril (e assisti a todas!). 
Uma direita lamentável, sem programa, sem ideias, sem classe mas sobretudo sem vergonha nem princípios - e lamentavelmente com a aquiescência ou o "silêncio" cúmplice de “muito boa” esquerda - apostada em conseguir votos a qualquer preço, desenvolveu durante praticamente todo o mandato de José Sócrates uma estratégia de “rolo compressor” destinada ao aniquilamento da sua imagem na praça pública. 
Não houve escrúpulos. Em qualquer democracia avançada, de respeito pelos valores, pelas ideias e pelos conceitos de cada um, a batalha política tem que travar-se dentro destes limites, naturalmente com as excepções e excessos admissíveis e próprios dum sistema plural e democrático. Mas sempre no campo da defesa dos princípios! Não tem sido, infelizmente, aquilo a que temos assistido. E sinto, como Português, vergonha da imaturidade desta “democracia” da maledicência, para a qual até muito boa gente se deixa arrastar.  
José Sócrates lutou, durante o seu mandato, contra tudo e contra todos: partidos de todos os quadrantes, quase toda a Imprensa, Rádio e Televisão, Sindicatos, Associações Patronais, “opinion makers”. Debateu a fundo com todos eles, independentemente de ter ou não a razão do seu lado (e muitas vezes não teve...) os problemas do País e da governação. Como era seu dever. Com tenacidade, teimosia (muitas vezes estupidamente confundida com arrogância…) mas quase sempre com elevação, princípios e grande conhecimento dos "dossiers". Foi vilipendiado, enxovalhado e não poucas vezes insultado da forma mais soez. Só de “casos” (diploma de Sócrates, Independente, “pressões” sobre procuradores,”pressões”sobre administradores de Empresas do PSD, “Freeport”, “escutas” na Presidência da Republica, “pressões” sobre a administração da TVI, etc. etc. etc.) foi um “prato cheio”. Que deram para meses e meses de “saudável informação” e certamente de “saudáveis disparos” nas vendas de jornais e revistas e nas audiências de estações de televisão e rádio. “Casos” esses que não produziram (como nunca poderiam produzir, tal a imbecilidade dos seus conteúdos) a mínima prova digna desse nome. Mas cujos objectivos, suportados por algum do pior “jornalismo” que se produziu em Portugal nos últimos anos, eram cirúrgicos: o linchamento puro e simples e a qualquer preço, do primeiro-ministro. Chegou-se ao cúmulo de se pretender negar-lhe o mais elementar direito de defesa (ver caso TVI), que é assegurado pela Constituição ao pior dos delinquentes! As coisas põem-se nestes termos: se Sócrates é acusado da forma mais torpe e insidiosa é um “saudável exercício de democracia”, se reage para se defender é uma “intolerável pressão e um atentado à liberdade”! 
Mas não se limitou, claro, este espírito persecutório, ao dueto Manuela Moura Guedes/José Eduardo Moniz. Esse foi o lado “pimba e foleiro” da estratégia! A face negra do analfabetismo jornalístico!
Também a comunicação dita “de referência” tem dado preciosíssima ajuda.
Basta ver os frente-a-frente diários da “Sic Notícias” em 90% dos casos, estruturados de forma cirúrgica. Funciona assim: dum lado perfila-se um representante da direita (PSD ou PP) e do outro um representante de esquerda (Bloco ou PC) para dar ao programa um ar democrata e pluralista. E no decurso do programa, ambos zurzem impiedosamente em Sócrates, sob a batuta “irrepreensível” de Mário Crespo, sempre pronto a ajudar à missa, sem que o visado ou qualquer dos seus representantes esteja presente.
Basta ver o estilo das entrevistas conduzidas por Judite de Sousa (assumidamente simpatizante - ou militante - do PSD) na tal RTP que muitos acusam ser “pró Governo”. No seu habitual estilo agressivo e truculento, Judite de Sousa interrompe sistematicamente os entrevistados que lhe são incómodos (caso de Sócrates), cortando-lhes a palavra ou impedindo-os de desenvolver um ideia até ao fim com clareza e tentando reduzi-los à condição de espectadores passivos, ao mesmo tempo que assume ela própria a condição de figura central do programa. Aliás, sobre a “isenção” de Judite de Sousa basta ver a lamentável (quer pelo teor quer pela oportunidade) entrevista publicada na revista do “Expresso” do passado dia 12-09-2009.O facto de uma das principais jornalistas da Televisão Publica dar uma entrevista de várias páginas ao semanário português de maior tiragem, na qual tece considerações fortemente negativas e de carácter pessoal sobre um dos principais candidatos (José Sócrates) em plena campanha eleitoral é o quê? Inocência?!
E os “artigos de fundo” (e não só) quase diários do “imparcial” director e de vários jornalistas do “Público”?
E os do semanário “Expresso”?
E os artigos do “rigoroso” semanário “Sol”?
E esse infindável leque de comentadores que todos os dias surgem nas televisões, nas rádios, nos jornais, opinando quase sempre para o mesmo lado?
E essa curiosíssima fauna que constitui o habitual “painel dos economistas” (invariavelmente de direita)?
E as ofensas, calúnias e insultos de Jardim? 
Acrescente-se-lhes um rol infindável de “blogues” e os “edificantes” comentários que por lá aparecem, as centenas de E-Mails que circulam no nosso correio electrónico, os vídeos no “You Tube“ (um deles utiliza um “clip” do filme “Hitler” e adiciona-lhe legendas, colocando Sócrates no papel de protagonista…).
Há, com efeito, “asfixia”. E não é pouca! Mas essa asfixia é a do poder e do dinheiro, com o objectivo único de derrubar este primeiro-ministro!  
A todas as investidas destes “democratas” tem o tal José Sócrates “arrogante” resistido com o controlo possível, doseando a indignação (e certamente uma imensa tristeza) e o direito à revolta. A tudo isto tem resistido com uma tenacidade sem limites, defendendo-se quase diariamente de todos os ataques, a ponto de nos perguntarmos onde arranja tempo para, nas horas que lhe sobram, governar o país! E sempre com esta sinistra espada de Damocles sobre a cabeça: se reage, como qualquer cidadão livre, é porque está a tentar pressionar quem não concorda com ele, se não reage é porque tem culpas no cartório! 
Sócrates é, quer se queira quer não, um político de raiz que está no debate como peixe na água. Gosta de discutir, estuda e domina os assuntos de estado como nenhum outro político português actual. E é, sobretudo, um homem que esteve ao leme de um barco que atravessou, sucessivamente, os grandes combates sequentes a uma recessão económica, um défice orçamental a caminho do descontrolo e uma das mais sérias crises internacionais de que há memória. Para além da gestão corrente de um País com os graves problemas económicos e sociais que conhecemos. Isto é, independentemente de estarmos ou não de acordo com ele, vale mais este homem a dormir que toda esta gente menor acordada! 
Claro que não estou de acordo com Sócrates em muitas questões de fundo.
Votei “Bloco de Esquerda” nas últimas eleições europeias e penso que, provavelmente, Francisco Louçã poderá chegar ao poder daqui a 8 ou 12 anos porque é um dos raros políticos com inteligência e criatividade da nossa democracia. Provavelmente voltarei a votar “Bloco de Esquerda” no futuro, noutras circunstâncias.
Mas voto PS nestas legislativas por duas razões essenciais: porque está em causa a simples (e fundamental) opção direita - esquerda e porque entendo que ninguém como Sócrates está preparado, neste momento, para conduzir o País com a necessária firmeza e decisão para ultrapassar os inúmeros obstáculos que nos esperam.  
Não me recordo, em tantos anos de democracia, de ver a direita a defender tantas vezes a liberdade sindical, os direitos dos trabalhadores, os direitos dos professores, os direitos sociais e (pasme-se!) a liberdade de expressão, sobretudo se simbolizada em “ícones” como Manuela Moura Guedes e o seu “brilhante” serviço “noticioso de 6.ª Feira ou esse “paladino” (da liberdade de expressão e de todas as outras) que é o inefável Alberto João, no seu  Jardim madeirense. E sempre que vejo a direita (não a de muitos dos seus apoiantes, tantas vezes pessoas humildes e de boa fé - mas a direita institucional, partidária, a direita como conceito social e político) a defender seja que liberdade for que não a sua, desconfio logo. Por instinto. Como deveria desconfiar, afinal, toda a esquerda que se preze.    
Assisti praticamente a todos os debates televisivos. Talvez uns 25% tivessem atingido algum interesse relevante. Tudo o resto não passou de um “divertido passeio” em que direita e esquerda esqueceram todo o espírito trauliteiro e agressivo que caracterizou estes 4 anos de oposição a Sócrates e ao PS (recorde-se que por razões diametralmente opostas…), e cavalgaram (quase) de mão dada uma onda de enorme “civismo e compreensão”, guardando quase sempre a arrogância e a prepotência (Paulo Portas), a irreverência e a agressividade (Louçã), a inflexibilidade e a rigidez de posições (Jerónimo de Sousa) e a insolência (Ferreira Leite), para o inimigo comum (José Sócrates), numa espiral de aversão e até de ódio que não olhou a meios para atingir os fins.
Ontem, dia 12 de Setembro, assisti ao último debate. Classificado de decisivo.
Pessoalmente estava apreensivo. Poderia haver sempre mais um “caso” na manga para lançar em cena. Tal não aconteceu. Mas algo me diz que até ao fim da campanha algo do género virá a surgir, como tantas vezes tem acontecido quando o vazio de ideias se torna preocupante. Aliás, Marcelo Rebelo de Sousa dizia hoje no seu programa semanal que o PSD não soube “aproveitar convenientemente” o caso TVI. Isto, vindo de quem vem, diz tudo: “aproveitar convenientemente”! Provavelmente mais um “caso” fabricado à medida para preencher o vazio ideológico do PSD….  
Quanto ao debate propriamente dito, não é preciso ser apoiante dum ou doutro partido, de uma ou de outra facção, para tirar conclusões. Basta ter um espírito minimamente aberto.
O já citado Marcelo diz que Manuela Ferreira Leite esteve muito bem! Como pode, quem viu o debate com olhos de ver (e foram cerca de 1,5 milhões de portugueses…) aceitar a uma análise destas, vinda de um comentador “profissional”, que “formata” semana a semana a mente de tanta gente? Estaremos todos cegos? Seremos todos estúpidos?
Aquilo a que assistimos, quanto a ideias, a programas, a conceitos, a argumentação, a domínio dos temas, a segurança e à vontade no controlo do debate, foi um verdadeiro “massacre” de Sócrates a Manuela Ferreira Leite!
Nem no que aparentemente ela estaria mais à vontade (a área económica) MFL ofereceu uma resistência digna desse nome. Pior ainda: nem dos compromissos por ela própria assumidos anos atrás MFL - claramente apanhada em contramão - pareceu recordar-se o suficiente para poder esgrimir. Trunfo que Sócrates aproveitou de forma excepcional, transformando um combate em que aparentemente deveria jogar à defesa num ataque contundente (sem atingir nunca a grosseria), encurralando MFL numa argumentação titubeante e confusa muito próxima do desnorte, onde se notaram, para além de um nervosismo crescente, mesmo diversos erros de linguagem (MFL domina mal o Português). Pareceu a certa altura que MFL ansiava pelo fim do tormento!
Quanto ao “célebre” Programa do PSD (durante tanto tempo considerado com uma espécie de trunfo e um “tabu”, ciosamente guardado com arma de arremesso de última hora) “a montanha pariu um rato”. Não é nele assumido um único compromisso substancial quanto aos assuntos de referência e não ajudou MFL rigorosamente em nada. Sócrates descodificou aquilo que estava por natureza descodificado. MFL e o PSD não vão seguramente correr riscos de não cumprir o que quer que seja deste seu programa. E porquê? Simplesmente porque não existe nele qualquer compromisso essencial. É como falar acerca de uma folha em banco!
MFL dá umas braçadas em piscina mas nunca saberá nadar no mar alto. Poderá ser, certamente, uma razoável ministra ou mesmo uma boa secretária de estado, no aconchego do seu gabinete, mas nunca saberá dirigir o governo do País. É avessa a comícios e manifestações, não está à vontade nos debates, detesta o contacto com as pessoas. Não suporta ideias divergentes - mesmo no seu próprio partido - e reage-lhes quase sempre com tiques de autoritarismo (elaboração das listas do partido sem opositores). É perita em contradições e tiradas de gosto duvidoso (escolhas de deputados arguidos em processos como António Preto e Helena Lopes da Costa, escolha de figuras até há bem pouco tempo impensáveis como Pedro Santana Lopes, “congelamento” da democracia por seis meses, papel dos emigrantes, Madeira como exemplo de democracia). Não tem estofo de estadista (a alusão aos interesses espanhóis no debate de hoje foi mais um desastre). No debate embrenhou-se numa floresta sem saída quando se falou da reforma do Sistema Educativo, da reforma da Saúde, da reforma da Segurança Social, das SCUTS, do TGV, do propalado apoio às PME’s, do papel da iniciativa privada nas áreas fundamentais da economia. Numa palavra, está muito melhor quando está calada ou, no mínimo, estará bem numa conversa de mercado mas não à frente do governo de um país. O PSD, apesar do “saco de gatos” em que se converteu, podia ter conseguido melhor escolha, mesmo tratando-se numa escolha de recurso.    
Sócrates, pelo contrário, é um animal político. De perseverança, de convicções e de luta. Teve, até agora, o grave defeito de lidar mal com a estratégia armadilhada e suja dos “casos” políticos, reagindo muitas vezes por instinto onde só deveria haver lugar ao desprezo e ao desdém que merecem. E aí se esgotaram muitos dos seus recursos, como afinal pretendiam os seus adversários. Também lhe assenta mal (às vezes ridiculamente) a máscara apaziguadora que afivelou em algumas das últimas intervenções e mesmo em alguns dos debates políticos. (Recordo-me, por exemplo, quando Paulo Portas, de forma insolente e malcriada lhe disse (por duas vezes) algo como: “Vá dizer isso aos seus camaradas de partido!” e o interrompeu em tom grosseiro por várias vezes. O verdadeiro Sócrates teria (e deveria ter) reagido à sua maneira, devolvendo estes “requintes de elegância”, se possível acompanhados dum aparte no mesmo tom). Sócrates está bem no calor do debate e a esgrimir quase em simultâneo argumentos de natureza diversa, terreno onde é de facto imbatível.             
Apetece-nos mesmo perguntar: como reagiria MFL, com o “poder de encaixe” e a “abertura de espírito” que a caracteriza, se tivesse de enfrentar a criminosa teia de maledicência que Sócrates enfrentou durante todos estes meses? Enlouquecia? Suicidava-se?
A pergunta decisiva e derradeira é esta: estarão os Portugueses dispostos a por à frente dos destinos do País Manuela Ferreira Leite e o seu partido?
Sabemos que somos (temos sido até hoje) um povo claramente de esquerda. Provam-no as várias eleições ao longo destas décadas, como o provarão a simples soma actual dos votos dos principais partidos de esquerda (PS + BLOCO DE ESQUERDA + PCP) vs. partidos de direita (PSD+PP).
Mas… será essa a aritmética do essencial? Uma vitória do PSD (a que inevitavelmente se aliaria o PP, ninguém duvide…) porá definitivamente em causa muito do que se conquistou a pulso e com sofrimento durante anos. Como, aliás, acontece sempre que a direita se instala. E a perda de regalias por parte dos mais desfavorecidos é, em Portugal, quase sempre irreversível!       
O voto é a derradeira arma dos que não dispõem de dinheiro e/ou de poder. Não o desperdicemos!

Porto, 13-09-2009
Guilherme Santos