O QUE É ISTO?!
(Entrevista de Judite de Sousa a Cavaco Silva)
Temos que agradecer a Judite de Sousa. Em definitivo!
Quem gostar de jornalismo ou, pelo menos, tiver algum interesse em decifrar os meandros actuais desta profissão em Portugal, sempre teve nas entrevistas políticas da senhora um manancial de ensinamentos. Uma espécie de tutoriais, para usar um termo (informaticamente) actual.
Basta que, para tal, estudemos as perguntas que Judite de Sousa coloca, os comentários, os apartes, o nervoso miudinho, os sorrisos, as expressões, as conclusões.
Depois, é simples. Há que raciocinar ao contrário, isto é, o jornalismo, um jornalismo com um mínimo de seriedade e equilíbrio, é exactamente o oposto de tudo isto!
Mas Judite de Sousa tem pelo menos uma coisa a seu favor: não consegue disfarçar!
É (do ponto de vista meramente profissional, sublinho) uma mulher de ódios e ressentimentos.
Tem, para os convidados que não comungam das suas ideias, um estilo (e um instinto) persecutório e inquisitorial e uma agressividade insolente.
Tem, para os convidados que partilham dos seus pontos de vista, um estilo (e um instinto) bajulador e pegajoso.
E isso derrama-se-lhe pela face, pelos trejeitos, pelo cinismo que transparece em cada sorriso subjacente a cada pergunta, decorrente de cada resposta. Foi sempre assim ao longo dos muitos anos de carreira. Nunca enganou ninguém!
Características histriónicas bem comuns, aliás - com a devida distância - a alguns dos seus pares, bem na berlinda nos últimos tempos (Mário Crespo, Manuela Moura Guedes, etc.). Uma curiosa espécie de pequenos “frascos de veneno” travestidos de (novos) paladinos da (nova) liberdade de informação.
Se não fosse demasiado sério, poderíamos levar a coisa para o campo do anedotário nacional.
Só que o assunto é grave. Demasiado grave.
E o espectáculo degradante de Judite de Sousa na entrevista de hoje ao Presidente da República atingiu as raias do insuportável. Naquele que é, recorde-se, segundo certos arautos da liberdade, o “Canal por excelência do Governo”. A RTP 1!
Durante 50 minutos, perante um Cavaco Silva (curiosamente do mesmo espaço político que ela) entre o incrédulo e o apaziguador, Judite ziguezagueou entre a perseguição política primária ao 1.º Ministro e ao PS, a ignorância crassa sobre as competências do Governo, da Assembleia e do Presidente da República, o desconhecimento do conceito, dos objectivos e das implicações de uma moção de censura, do modo como devem ser geridas as relações entre órgãos de soberania, entre partidos políticos, entre governo e oposição, etc.
Foi um espectáculo deprimente de falta de preparação (e de classe), completamente a despropósito, conduzido com um único objectivo, deliberado e indisfarçável: o ataque cego e a qualquer preço a Sócrates (e ao PS), sem a mínima preocupação pelo mais elementar apuramento da verdade jornalística ou pelo rigor ou equilíbrio da informação.
O próprio Cavaco Silva, assumindo um estranho papel moderador, tentou por várias vezes como que “chamá-la à razão”, procurando reconduzi-la aos limites de um espaço minimamente digno de uma entrevista deste nível. Sem resultado.
Judite estava possessa.
Se ali tivesse Sócrates pendurava-o numa cruz, com todos os membros do PS a ladeá-lo sob as chamas da fogueira.
Invocou, com uma obsessão desaustinada, o “Face Oculta”, as relações de Sócrates com o Presidente, as suspeitas sobre a compra da TVI, enfim, todo o habitual arsenal de insinuações e provocações, sem apresentar uma única prova factual sobre o que quer que seja.
Procurou denodada, frenética, quase histericamente, “puxar” Cavaco para o seu campus de delírio, quase que lhe exigindo, como imperativo, uma relação obrigatoriamente conflitual e de ruptura para com Sócrates. Sugeriu, subentendeu, incentivou, avançou como que inevitável, que Cavaco retirasse a confiança, derrubasse, demitisse, exigisse a cabeça do 1.º Ministro!
O Presidente, claramente em maré de pré-campanha, apostado em recolher o máximo de apoios em todos os quadrantes, entre a paciência pedagógica do professor universitário para com o aluno cábula e o sentido de estado devido à sua função, foi-se esquivando como pôde a este estilo truculento, mais ao nível do mercado do peixe do que de espaço salutar e racional de esclarecimento de ideias.
Judite espumava!
Em clima de estertor recorreu à arma secreta: as escutas a Belém e o (tristemente célebre) discurso do Presidente. Procurou aí, com indisfarçável nervosismo, encontrar um tema em que Cavaco tivesse obrigatoriamente que confrontar Sócrates.
Não era o dia de Judite de Sousa, em definitivo.
Até aí Cavaco esquivou com alguma subtileza a provocação, escudando-se com o que já havia declarado na altura a tal propósito.
Os derradeiros cinco minutos incidiram, enfim, sobre o já recorrente tabu (que, como toda a gente já percebeu, é um mero compasso de espera sobre o “timing” da (mais que óbvia) recandidatura de Cavaco) e sobre as eleições no PSD, a (des) propósito das quais, mais uma vez, a inefável Judite, já em desespero de causa, atirou mais umas achas para a fogueira anti- Sócrates.
A entrevista (que recordemos, deveria ter como leit motiv o mandato e o desempenho de Cavaco Silva como Presidente da República), foi (mais) uma peça deplorável de jornalismo, demonstrativa do pântano a que chegou a profissão.
Mais um programa para (tentar) esquecer, conduzido por uma profissional com dezenas de anos de carreira mas sempre (infelizmente e cada vez mais) igual a si própria.
Como já tinha demonstrado na despudorada entrevista concedida à Revista do Expresso em plena campanha eleitoral, na qual ela própria admitiu, com inusitada desfaçatez, a intenção deliberada de prejudicar (a palavra deveria ter sido denegrir) a imagem de Sócrates.
Como demonstrou invariavelmente em dezenas (centenas) de entrevistas.
Como demonstrou (mais uma vez) hoje. E como continuará a demonstrá-lo seguramente no futuro.
Assim vai o novo conceito de liberdade de informação que nos querem a todo o custo impingir. Em Portugal. No ano da graça de 2010!
Não, não e não. O jornalismo não é isto!
